O Brasil precisa fazer
uma reforma previdenciária, é claro. Estamos de acordo. Mas a nossa prioridade
não é a mesma dos ministros do presidente Michel Temer. Eles anunciam, com
certo ar de provocação, que o sistema só se salvará com a implantação de uma idade
mínima de aposentadoria de 65 anos.
Nós defendemos que o
único caminho viável é o governo apresentar um orçamento de seguridade social,
como determina a Constituição de 1988. E ser transparente, o que é sempre
imprescindível. Que fique bem claro, os trabalhadores não são responsáveis
pelos desacertos da Previdência Social. Não podem pagar a conta, portanto, como
quer o governo.
A RECEITA DO TRABALHO DEPOIS DE APOSENTADO. |
Se a idade mínima for implantada, isso significará, por
exemplo, que no Estado de Alagoas, em que a média de vida é de 66,8, a maior
parte das pessoas não vai se aposentar. Terá que morrer trabalhando. Situação
quase idêntica, com algumas pequenas diferenças, pode também ocorrer no
Maranhão (67,6), no Piauí (68,9) e na Paraíba (69).
É importante destacar
que a inserção no mercado do trabalho na França, por exemplo, começa em média
aos 24,5 anos -depois, portanto, de concluída a faculdade e escolhida a
profissão. Aqui no Brasil, um país pobre e de grande desigualdade social, as
pessoas já trabalham desde os 16 anos, muito cedo e sem tempo para estudar. Todo mundo sabe que
somos um país muito mal administrado. A Previdência Social é uma prova disso.
Dizem que é deficitária, mas não é verdade. Os números da seguridade social são
positivos. Acumularam, de 2007 até 2015, um saldo de R$ 439,503 bilhões.
O AFETO DOS NETOS, MOMENTOS DE ALEGRIA.. |
E seriam ainda
maiores, é bom que se diga, se fossem consideradas as desonerações e renúncias
fiscais que, no mesmo período, chegaram a R$ 735,920 bilhões. A coisa não para
por aí: a Receita Federal projeta, para este ano, R$ 143,182 bilhões de
desonerações do orçamento da seguridade social. É dinheiro que não entrará nos
cofres da Previdência. A Constituição de 1988
determina que a receita e as despesas da seguridade social devem formar um
orçamento próprio, separado, portanto, do orçamento fiscal do governo. Como a
lei não é obedecida, embaralha-se tudo. Fica fácil montar uma gigantesca farsa
contábil. Segundo se divulga, o deficit da Previdência é crescente há mais de
20 anos. Ano passado, estaria em R$ 85 bilhões. Atingiria, agora em 2016, algo
próximo a R$ 150 bilhões.
APOSENTADOS PODEM MORAR LEGALMENTE EM PORTUGAL. |
Pois bem, só com a
dívida que a Previdência tem a receber, R$ 236 bilhões, já seria possível
cobrir o rombo. Outro grande ralo é a falta de fiscalização para aperfeiçoar a
gestão, além do controle dos bens da Previdência, como imóveis e outros tipos
de propriedades.
Uma das principais ações para sanar as contas da seguridade
social, e as do próprio governo, seria a criação de dois fundos: o do Regime
Geral da Previdência Social e o do Conselho de Gestão Fiscal, com a
participação de trabalhadores e empresários.
Não resta dúvida de
que as mudanças demográficas precisam ser acompanhadas com muito cuidado. Essa
janela, segundo estudos que temos em mãos, só começa a se fechar, no Brasil,
entre 2025 e 2030. A nossa população de idosos, segundo a Pnad (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios), é da ordem de 13%. Nos países mais
desenvolvidos, esse percentual chega a 30%. Portanto, ainda não é a transição demográfica
que está criando o atual deficit da Previdência. Antes de estabelecermos uma
idade mínima, temos que melhorar o sistema de gestão previdenciário.
RICARDO PATAH, 62, pós-graduado em administração pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é presidente nacional da UGT -
União Geral dos Trabalhadores. Artigo
publicado no jornal Folha de São Paulo nesta quinta-feira (06/10)
0 on: " O falso deficit previdenciário "